Interações eco-epidemiológicas entre cães domésticos e a fauna silvestre em agroecossistemas

Cães e seres humanos compartilham os mesmos caminhos por pelo menos 14-100 mil anos e, atualmente, o cão doméstico (Canis lupus familiaris) e a espécie de carnívoro mais abundante e difundida do planeta, está presente em todos os continentes, exceto Antártida. Como consequência, cães representam um desafio global tanto para conservação da biodiversidade como para saúde pública, e esta problemática e ainda mais grave entre cães mantidos soltos e cães ferais em áreas rurais. No entanto, apesar da abrangência e da gravidade do problema, tanto a intensidade dos impactos causados por cães domésticos, como a eficácia de estratégias de manejo, ainda são incertas. Isso ocorre, pois estudos raramente quantificam aspectos básicos da ecologia dos cães. Aspectos que são cruciais tanto para compreensão dos processos de invasão biológica, como para elaboração de modelos epidemiológicos de dispersão de doenças. E nesta lacuna de conhecimento que buscamos nos aprofundar na presente tese de doutorado. Utilizando como modelo a população de cães de um agroecossistema de Cerrado no Brasil Central, realizamos um estudo longitudinal buscando elucidar como e a estrutura e a dinâmica populacional dos cães; de que forma eles utilizam o espaço e que fatores determinam seus caminhos; e como a população e o movimento dos cães podem ser modulados pelas pessoas. Com os estudos aqui apresentados, trouxemos avanços metodológicos, e reflexões de manejo, que contribuirão de forma substancial para aprofundar nossa compreensão de uma problemática comum a todas as partes do planeta. Vimos que, mesmo em uma população de tamanho estável, a estrutura populacional pode ser extremamente dinâmica, e este fluxo de indivíduos e regido essencialmente pelas pessoas. Observamos também que os cães têm um uso considerável da paisagem, ainda que eles permaneçam a maior parte do tempo ao redor de suas casas. Além disso, constatamos que os padrões de uso do espaço variam substancialmente a depender das características do indivíduo, do manejo e do papel social do cão na comunidade. Por fim, propomos estratégias de manejo que possam simultaneamente mitigar os impactos causados por cães e aprimorar o desempenho de suas funções na comunidade.